O Ônibus Fantasma da Itapemirim
O Ônibus Fantasma da Itapemirim: Uma História
de Tragédia e Lendas Urbanas
Conheçam o infame Ônibus Fantasma da
Itapemirim, um Marcopolo Paradiso G6 1200 HD com prefixo 5813, que carrega nas
suas entranhas uma das histórias mais sombrias e macabras do transporte
rodoviário brasileiro.
Esse veículo não é apenas um ônibus comum:
ele foi reencarroçado sobre o chassi Mercedes-Benz O-400RSD, resgatado do
antigo Monobloco da Viação Itapemirim, fabricado em 1995 e originalmente
prefixado como 40229.
O que transforma esse carro em uma lenda é o
trágico destino de seu predecessor, envolto em um acidente devastador que
ceifou 42 vidas e ecoa até hoje em relatos de assombrações e mistérios.
A Tragédia que Marcou a História do Ceará
Tudo começou na madrugada de 21 de fevereiro
de 2004, uma sexta-feira chuvosa às vésperas do Carnaval - um feriado que
prometia alegria, mas se transformou em luto coletivo.
O ônibus 40229, com lotação completa de 42
passageiros (incluindo o motorista), havia partido do Terminal Rodoviário João
Thomé, em Fortaleza (CE), por volta das 20h30, rumo a Salvador (BA), em uma
viagem de cerca de 1.200 km.
Após percorrer aproximadamente 450 km pela
BR-116, o veículo chegou à região do Cariri cearense, na divisa com Pernambuco
e Paraíba. Por volta das 4h da manhã, no km 456, próximo ao município de Barro
(CE), o pior aconteceu.
Testemunhas oculares, como o feirante
Francisco Pereira de Souza, que seguia atrás em um caminhão F-400, relataram
que o ônibus trafegava em velocidade moderada quando, em uma curva traiçoeira,
perdeu o controle e despencou de uma ribanceira de cerca de 10 metros de
altura, mergulhando diretamente no Açude Cipó.
O veículo afundou rapidamente nas águas
escuras e lamacentas, e o silêncio da madrugada foi rompido por gritos
desesperados que ecoaram pela estrada deserta.
O que tornou o acidente ainda mais horrendo
foi a forma como as vítimas pereceram: não por impacto violento, mas por
afogamento lento e agonizante. O ônibus, equipado com ar-condicionado, tinha as
janelas vedadas com selos de borracha para manter o isolamento térmico - uma
característica comum nos modelos da época, mas fatal naquele momento.
Muitos passageiros, incluindo nadadores
experientes como o universitário Sérgio Ricardo Araújo Passos, não conseguiram
quebrar o vidro ou abrir as portas submersas. "Meu filho era um atleta,
nadava muito bem e somente morreu porque não conseguiu sair do veículo",
desabafou Rita Passos, mãe de uma das vítimas, em entrevista ao jornal O Povo
na época.
Relatos de resgatistas, como bombeiros e
policiais militares de Milagres (CE), descrevem cenas de terror: o trabalho de
recuperação dos corpos durou horas, com guinchos pesados puxando o coletivo do
fundo do açude, enquanto famílias aguardavam em pânico nas margens.
Essa tragédia é considerada uma das maiores
da história recente do Ceará e o pior acidente rodoviário com ônibus no Brasil
em 2004, superando até incidentes como o tombamento de um ônibus da Viação
Açailândia na BR-222, que matou cinco pessoas no mesmo ano.
As vítimas eram de origens diversas: Ceará,
Bahia, São Paulo, Distrito Federal, Piauí e Pernambuco, unidas por sonhos de
folia em Salvador. O impacto foi tão profundo que o prefeito de Barro decretou
luto oficial e cancelou os festejos carnavalescos locais, transformando uma
celebração em um memorial improvisado.
Consequências Legais e o Legado da Itapemirim
A Viação Itapemirim, uma das maiores do país
na época, emitiu um comunicado oficial lamentando o ocorrido, mas enfrentou
duras críticas e ações judiciais. Peritos apontaram que as condições ruins da
BR-116 - com curvas perigosas e falta de sinalização - contribuíram, mas a
empresa foi responsabilizada pela manutenção inadequada das janelas.
Famílias rejeitaram ofertas iniciais de
indenização de R$ 30 mil e processaram a companhia. Em 2012, o Tribunal de
Justiça do Ceará (TJCE) condenou a Itapemirim a pagar R$ 150 mil por danos
morais a uma viúva, mais pensão mensal de R$ 1.500.
Em 2017, outra sentença fixou R$ 100 mil para
o filho de uma vítima, rejeitando a defesa da empresa de que o trecho da
estrada era o culpado.
O chassis do 40229, milagrosamente
recuperável, foi preservado pela Itapemirim, que optou por reencarroçá-lo anos
depois. Essa decisão gerou controvérsias: para alguns, era uma forma de honrar
o histórico da frota; para outros, uma insensibilidade com as vítimas.
Em 2004, a nova carroceria Marcopolo Paradiso
G6 1200 HD foi instalada, e o veículo ganhou o prefixo 5813, entrando em
operação no serviço premium Golden da empresa, ligando capitais como São Paulo,
Rio de Janeiro, Salvador e Curitiba. Fotos do 5813 em operação circulam em
sites como o Ônibus Brasil, mostrando-o em rotas movimentadas até pelo menos
2022.
O Mito do Ônibus Assombrado
É aqui que a história vira lenda urbana.
Desde que voltou às estradas, o 5813 ganhou o apelido de "Ônibus Fantasma"
entre motoristas, passageiros e entusiastas de ônibus (busólogos).
Relatos se multiplicam em fóruns online e
comentários em fotos: à noite, supostos gritos ecoam pelos corredores vazios,
vultos aparecem nos assentos traseiros, e um cheiro de água parada invade o
ar-condicionado.
"Já ouvi histórias de passageiros que
escutam choros, provavelmente da hora da tragédia", comenta um usuário no
Ônibus Brasil sob uma foto do veículo em 2009. Outro, em 2020, brinca:
"Qual busólogo corajoso viaja no 5813 à noite pra confirmar as
assombrações?"
Essas narrativas evocam o "Voo 401 da
Eastern Airlines", um avião cujas partes reutilizadas após um acidente de
1972 geraram lendas de fantasmas. No caso do 5813, a fama se espalhou por
vídeos no YouTube, como um do canal Gustavo Interestadual, que explora a
"história mal-assombrada" do ônibus, misturando fatos com folclore.
Críticos argumentam que é desrespeitoso
manter o chassis em circulação - "A Itapemirim deveria ter vergonha em
reencarroçar esse carro em respeito às vítimas", diz um comentário de
2009. Mas a empresa prosseguiu, talvez vendo valor econômico no investimento.
O Fim de uma Era: Desmanche e o Declínio da Itapemirim
A última foto conhecida do 5813 em processo
de desmanche foi tirada em 14 de setembro de 2020, em um pátio em Cachoeiro de
Itapemirim (ES), sede da empresa. Informações de leilões judiciais indicam que
o veículo foi arrematado por cerca de R$ 30.500 em maio de 2020, durante a
crise financeira da Itapemirim, que culminou em sua falência em julho do mesmo
ano.
Vendido para desmanche anos antes, como
rumores sugerem, ele representa o fim simbólico de uma frota icônica. Em 2024,
outros ônibus abandonados da Itapemirim foram encontrados em Feira de Santana
(BA), enferrujados e esquecidos, incluindo modelos Paradiso G6 semelhantes.
Hoje, 21 anos após a tragédia (completados em fevereiro de 2025), o acidente de Barro serve de alerta sobre segurança viária: a BR-116 foi parcialmente reformada, mas curvas como aquela ainda cobram vidas.

Comentários
Postar um comentário