O estranho ser humano

O ser humano é, por vezes, um enigma até para si mesmo. Em suas contradições, revela uma relação estranha com a vida e a morte. Briga com os vivos, fere com palavras e atitudes, mas carrega flores para os mortos, em um gesto tardio de reverência. Abandona os vivos à própria sorte, deixa-os à margem, na sarjeta da indiferença, enquanto deseja um "bom lugar" para aqueles que já partiram. Afasta-se dos vivos, ignora laços, constrói muros de silêncio, mas, quando a morte os leva, agarra-se desesperadamente à memória, como se pudesse resgatar o tempo perdido. Passa anos sem trocar uma palavra com alguém, sem um gesto de carinho ou reconciliação, mas, quando esse alguém se vai, multiplica-se em homenagens, discursos emocionados e pedidos de perdão que nunca chegarão aos ouvidos do ausente. Não encontra tempo para visitar os vivos, para ouvir suas histórias, para compartilhar um momento de afeto, mas reserva o dia inteiro para comparecer ao velório, onde o silêncio já não ...