O Brasil Corrupto
Quando os militares estavam no poder, é possível que houvesse corrupção - e provavelmente havia - mas jamais soubemos o tamanho real dessa sombra. Era como um fantasma que caminhava pelos corredores do Estado: todos sentiam sua presença, poucos ousavam nomeá-lo, e quase ninguém podia vê-lo.
A falta de transparência transformava tudo em ruído abafado, um
sussurro constante entre quartéis e repartições. A corrupção existia, sim, mas
era como um rio subterrâneo: sabíamos que corria, mas desconhecíamos sua
profundidade e suas margens.
Com a promessa da democracia, acreditamos que
veríamos o sol nascer sobre esse terreno pantanoso. Era vendida como um bálsamo
sagrado, a panaceia que curaria desigualdade, injustiça e toda espécie de
podridão moral. Um “renascimento” que, supostamente, lavaria o país por dentro.
Mas a transição democrática trouxe uma revelação amarga: a corrupção não havia
sido derrotada. Ela apenas trocou de pele.
Com a redemocratização, o monstro emergiu da
água. Em vez de desaparecer, ele assumiu novas formas, mais engenhosas, mais
sedutoras, mais completas. Os parlamentares, agora fortalecidos pelo voto,
tornaram-se maestros de um espetáculo que antes era conduzido por fardas. As
negociatas deixaram de acontecer no breu e passaram a desfilar à luz do dia -
ou sob à meia-luz confortável dos holofotes de uma imprensa ainda engatinhando.
Nosso otimismo, teimoso e quase infantil,
acreditou que a eleição direta para presidente seria o antídoto final. O voto,
esse símbolo máximo da vontade popular, parecia o tijolo fundamental de um novo
país. Elegemos um presidente, comemoramos nas ruas, proclamamos um futuro puro -
e pouco depois assistimos ao seu impeachment, esmagados por corrupção.
O caso Collor, em 1992, ergueu um espelho
enorme diante de nós: o sistema era falho, sim, mas talvez o grande problema
fosse o ser humano que o operava. A engrenagem era a mesma; quem a fazia girar
é que trazia ferrugem nas mãos.
Depois, apontamos o dedo para as ideias. Os
neoliberais seriam o câncer, com sua fé quase devota no mercado e seu desmonte
do Estado. Então, a esquerda subiu ao palco, prometendo justiça social,
igualdade, limpeza ética, moralização, a redenção da classe trabalhadora. E o
que veio? Um rombo histórico, escândalos colossais - “mensalão”, “petrolão”,
delações intermináveis - um abismo ético que fez os desvios da era militar
parecerem trocados de bolso.
A corrupção, descobrimos, é como erva
daninha: não importa o solo, ela encontra uma brecha. Não respeita ideologia,
farda, cor partidária ou promessa de campanha. Ela é um organismo adaptável,
mutante, resiliente - um parasita que floresce em qualquer sistema que ofereça
sombra suficiente para crescer e silêncio suficiente para prosperar.
E então nos sobra essa sensação sufocante de
impotência, como quem tenta limpar uma mancha que parece se expandir quanto
mais se esfrega. Surge a pergunta incômoda: estamos diante de um defeito de
estrutura ou de uma rachadura profunda na própria alma humana?
Talvez seja um pouco de ambos. Um país
inteiro acostumou-se a procurar vilões externos - militares, presidentes,
partidos, ideologias - mas raramente encara o espelho. Há uma corrupção miúda,
cotidiana, que circula pelas veias da sociedade como sangue impuro: o jeitinho,
a omissão conveniente, a cumplicidade silenciosa.
Enquanto a democracia for tratada apenas como uma embalagem bonita, um rótulo vistoso colado sobre práticas antigas, ela será como perfume borrifado sobre carne apodrecida: mascara o odor, mas não impede a decomposição. E assim seguimos: um país que tenta caminhar, mas arrasta correntes enferrujadas.
Um Estado que se diz democrático, mas cuja moralidade desaba como um prédio construído com cimento adulterado. A corrupção continua ali, abrindo suas garras, lembrando-nos de que o problema nunca foi apenas os que governam - mas também os que toleram.

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