As Contradições da Fé
Você quer me falar sobre Cristo? Não precisa,
obrigado. Sou ateu e, sem arrogância, é bem provável que eu saiba mais sobre
religião do que você imagina.
Já li os Evangelhos na íntegra, assim como a maior
parte dos livros da Bíblia, do Gênesis ao Apocalipse. Estudei a história da
Igreja, desde os primeiros concílios que definiram a ortodoxia até as reformas
e cismas que remodelaram o cristianismo ao longo dos séculos.
Consultei bulas papais, encíclicas, catecismos e
tratados teológicos que detalham a estrutura dos dogmas e o raciocínio por trás
da fé. Mas meu interesse não parou aí.
Aprofundei-me em outras tradições religiosas: no
judaísmo, com suas raízes culturais e a riqueza interpretativa da Torá e do
Talmude; no islamismo, com o Alcorão e os hadiths que estruturaram uma
civilização; no budismo, que propõe não a fé em um deus, mas um caminho de
prática e transformação interior.
Também explorei religiões menos conhecidas, mitologias
antigas e cultos sincréticos, analisando textos sagrados, rituais, símbolos e
filosofias. Mais importante do que conhecer os textos, compreendo o contexto
histórico em que eles foram escritos.
Sei que os livros da Bíblia não surgiram isolados, mas
em meio a disputas políticas, influências culturais e interesses de poder.
Reconheço como concílios decidiram quais evangelhos seriam “canônicos” e quais
seriam condenados ao esquecimento como apócrifos.
Entendo como a religião foi usada tanto como força de
união e consolo, quanto como instrumento de repressão, justificando guerras,
perseguições e desigualdades.
De onde
você acha que vêm os ateus? Não somos pessoas que simplesmente “rejeitam Deus”
por capricho ou rebeldia juvenil. Muitos de nós, como eu, chegamos ao ateísmo
após uma longa jornada de estudo, reflexão e confronto com as contradições da
fé.
É um processo de maturação intelectual e existencial:
mergulhar nos textos, ouvir os argumentos, analisar as histórias, e então
concluir que as evidências e a lógica apontam para um mundo sem divindades.
O
ateísmo, para muitos, não é uma negação cega, mas uma posição informada. Ele
nasce do questionamento, da análise crítica e, frequentemente, de uma profunda
familiaridade com aquilo que se nega.
No meu caso, foi justamente o estudo exaustivo das
escrituras e da história religiosa que me levou a enxergar a fé como uma
construção humana: bela em suas metáforas, poderosa em sua capacidade de unir,
mas também marcada por contradições e, acima de tudo, pela subjetividade.
E aqui
está a questão central: eu não ignoro o valor que a fé pode ter para quem crê.
Ela sustenta, dá sentido, consola. Reconheço isso. Mas para mim, ela não é
evidência de uma verdade absoluta, e sim de uma necessidade profundamente
humana de criar narrativas que deem ordem ao caos da existência.
Então, antes de tentar me convencer com argumentos que provavelmente já ouvi - da promessa da salvação às supostas provas da criação - pergunto: o que você sabe sobre a sua própria fé que eu ainda não tenha considerado?
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