Não entendo, apenas sinto


 

"Não entendo, apenas sinto. Tenho medo de um dia entender e deixar de sentir." – Clarice Lispector

Essa frase, extraída da obra de Clarice Lispector, reflete a tensão entre a intuição e a razão, entre o sentir visceral e a compreensão racional.

Clarice, com sua escrita introspectiva e poética, captura a angústia de quem vive imerso nas emoções, mas teme que a clareza do entendimento possa apagar a intensidade do sentir.

É como se o ato de compreender, de dissecar a experiência, pudesse roubar sua essência crua e misteriosa. Essa reflexão ressoa profundamente em momentos de transformação pessoal ou coletiva, como os que vivemos recentemente.

Nos últimos anos, o mundo enfrentou crises que desafiaram nossa capacidade de sentir sem tentar explicar: pandemias, conflitos sociais, mudanças climáticas e incertezas políticas.

Em 2020, por exemplo, a pandemia de COVID-19 forçou a humanidade a lidar com o medo, a perda e a solidão, sentimentos que muitas vezes escapavam à lógica.

Como Clarice sugere, tentar entender completamente esses eventos pode nos afastar da conexão imediata com nossas emoções, que são, em si, uma forma de verdade.

Além disso, a frase ecoa em contextos mais íntimos. Quantas vezes nos pegamos tentando racionalizar o amor, a saudade ou a dor, apenas para perceber que essas experiências resistem à análise?

Lispector parece alertar que a busca pelo entendimento total pode nos privar da beleza do mistério, daquilo que pulsa sem precisar de nomeações. Em um mundo obcecado por respostas, sua escrita nos convida a abraçar o desconhecido, a habitar o sentir sem a necessidade de justificá-lo.

Recentemente, em 2024, o Brasil viveu momentos de reflexão coletiva durante as celebrações do centenário de Clarice Lispector, com exposições, releituras de suas obras e debates sobre sua relevância.

Esses eventos reacenderam o interesse por sua visão única, que continua a inspirar artistas, escritores e leitores a explorar a complexidade da alma humana.

Sua frase, tão breve quanto poderosa, nos lembra que o sentir é, por si só, uma forma de existir no mundo, mesmo quando as respostas nos escapam.

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