Colheita


 

Outro dia, ouvi uma frase simples, dessas que parecem batidas de tanto que se repetem, mas que, quando chegam na hora certa, soam como revelação: “Você colhe o que planta.” Não é novidade, claro. Minha avó já dizia isso enquanto jogava sementes no quintal, com as mãos firmes e a alma tranquila de quem conhecia os tempos da terra e os silêncios da vida.

Mas naquela manhã, com o coração meio inquieto e a cabeça cheia, a frase veio como um sussurro necessário. Porque, no fundo, a gente passa boa parte da vida sem perceber que está plantando.

Cada palavra que dizemos, cada gesto que escolhemos fazer - ou não fazer - são sementes. Às vezes jogamos coisas boas, outras vezes nem tanto. E o curioso é que o tempo, com sua paciência implacável, sempre devolve o que lançamos ao chão.

Tem dias em que tudo flui. A vida parece leve, os encontros são agradáveis, a paz se instala como brisa em fim de tarde. Nessas horas, se você parar para pensar, vai perceber que talvez isso seja fruto de escolhas feitas lá atrás - um cuidado oferecido, um perdão concedido, uma bondade silenciosa.

A colheita vem, mesmo que você tenha esquecido o que plantou. Mas nem sempre é assim. Há fases em que tudo parece desandar. As relações se desgastam, os caminhos se estreitam, o coração pesa.

E aí, é duro, mas necessário se perguntar: o que eu tenho semeado? Será que fui negligente com meus sentimentos? Será que deixei crescer ervas daninhas sem perceber - orgulho, pressa, ego?

O bom é que a vida também é generosa. Todo dia é uma nova chance de replantar. Não importa o que foi feito ontem - hoje o terreno está aí, esperando por novas sementes.

E não precisa ser grandioso. Um sorriso sincero, uma escuta atenta, um abraço sem pressa. Essas coisas simples - quase invisíveis - têm um poder imenso.

No fundo, ser gentil é um ato de coragem. É decidir plantar mesmo sem garantias de retorno imediato. É confiar que, lá na frente, o bem volta. Porque volta. Sempre volta.

E se o mundo anda caótico - e anda - talvez a gente precise ser como os velhos agricultores: levantar cedo, pôr os pés na terra, e cultivar o que faz bem. Mesmo que a colheita demore, ela virá. E quando vier, vai valer a pena.

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