Polarização


 

Enquanto navegava pela minha conta no Facebook, deparei-me com uma postagem que chamou minha atenção. Um usuário, claramente alinhado à esquerda, compartilhava a foto de um homem segurando um cartaz com a frase: “A gripezinha de Bolsonaro matou meu pai”.

A imagem era forte, carregada de emoção e indignação, refletindo a dor de alguém que atribuía a perda de um ente querido à forma como a pandemia foi gerida no Brasil.

A legenda do post reforçava a crítica ao ex-presidente, acusando-o de minimizar a gravidade do vírus ao chamá-lo de “gripezinha”.

Logo abaixo, outra pessoa, aproveitando a mesma foto, escreveu uma resposta inflamada: “Não, jumento, a Globo te enganou. Quem matou teu pai foi o vírus que veio da China e a corrupção. Bolsonaro apenas deu dinheiro para salvar teu pai, e esse dinheiro foi roubado pelos esquerdistas que tu defendes”.

O tom era agressivo, cheio de acusações, e tentava redirecionar a culpa para outros fatores - o vírus, a mídia, a corrupção - enquanto defendia Bolsonaro como uma vítima do sistema.

A discussão não parou por aí. Nos comentários, outra voz se fez ouvir: “Bolsonaro não dá dinheiro a ninguém, ainda não acordaram? Ele sabe mesmo é roubar, esse canalha desumano”.

A réplica era igualmente carregada de emoção, mas agora com uma nova narrativa, acusando o ex-presidente de ser o verdadeiro corrupto e desumano, incapaz de qualquer ato de generosidade.

Ao ler tudo isso, fiquei pensando: ou é muita desinformação circulando, ou há um mau-caráter genuíno por trás dessas trocas. Talvez sejam os dois. A verdade é que a postagem expôs um microcosmo do que as redes sociais se tornaram: um campo de batalha onde fatos, emoções e narrativas se misturam, alimentando polarização e ódio.

O homem da foto, segurando seu cartaz, provavelmente estava apenas expressando sua dor e buscando justiça pelo que acreditava ter sido uma falha na gestão da crise sanitária.

Mas sua mensagem foi rapidamente engolida por uma enxurrada de ataques, contra-ataques e teorias conspiratórias. Esse tipo de interação revela mais do que apenas opiniões políticas divergentes.

Mostra como a desinformação se espalha como um vírus, infectando discussões e distorcendo realidades. Durante a pandemia, o Brasil enfrentou não apenas o impacto do vírus, mas também uma guerra de narrativas: de um lado, os que culpavam o governo por negligência; do outro, os que defendiam o presidente e apontavam dedos para inimigos externos ou internos.

No meio disso tudo, o dinheiro destinado a salvar vidas - como os repasses para estados e municípios - muitas vezes se perdeu em esquemas de corrupção, enquanto famílias, como a do homem do cartaz, sofriam perdas irreparáveis.

O que mais me impressionou foi a falta de empatia nas respostas. Ninguém parou para pensar na dor daquele filho que perdeu o pai. Ninguém tentou dialogar ou entender o contexto.

Em vez disso, a discussão virou uma competição de quem gritava mais alto, de quem tinha a narrativa mais convincente. E, no final, quem perde é a verdade - e a chance de um debate que pudesse, ao menos, honrar a memória de quem se foi.

Talvez o maior desafio hoje seja aprender a navegar nesse mar de informações sem se afogar na desinformação. É preciso checar fontes, ouvir diferentes perspectivas e, acima de tudo, lembrar que por trás de cada postagem há pessoas reais, com dores reais.

A pandemia já foi uma tragédia por si só; não precisamos transformá-la em mais um motivo para nos dividirmos.

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