Edimburgo dos Sete Mares: A Cidade Mais Isolada do Planeta


 

Edimburgo dos Sete Mares, localizada na ilha principal do arquipélago de Tristão da Cunha, no coração do Oceano Atlântico Sul, ostenta o título de povoação habitada mais remota do mundo.

Este território ultramarino britânico, parte de Santa Helena, Ascensão e Tristão da Cunha, abriga cerca de 250 pessoas, que vivem a impressionantes 2.400 km da terra habitada mais próxima, a ilha de Santa Helena, e a 2.800 km da Cidade do Cabo, na África do Sul.

Sem aeroporto ou aeródromo, a única forma de chegar a essa vila isolada é por uma árdua viagem de barco, que pode levar de seis a dez dias, dependendo das condições do mar.

Origens e História

Fundada em 1816 pelo sargento escocês William Glass, após o Reino Unido anexar Tristão da Cunha, Edimburgo dos Sete Mares recebeu seu nome em homenagem ao Príncipe Alfred, Duque de Edimburgo, segundo filho da Rainha Vitória, que visitou a ilha em 1867.

Inicialmente, o povoado foi estabelecido como parte de uma guarnição militar para impedir tentativas francesas de resgatar Napoleão Bonaparte, preso em Santa Helena. A guarnição permaneceu até o fim da Segunda Guerra Mundial, quando a ilha passou a ser habitada exclusivamente por civis.

A história da vila foi marcada por um evento dramático em 1961, quando uma erupção vulcânica do Queen Mary’s Peak, o ponto mais alto da ilha com 2.062 metros, forçou a evacuação de toda a população para Calshot, em Hampshire, no Reino Unido.

A erupção destruiu a fábrica de lagostins, uma das principais fontes de renda da comunidade, e danificou significativamente o povoado. Apesar das dificuldades, a maioria dos ilhéus retornou em 1963, reconstruindo a vila e renomeando o porto como Porto de Calshot, em homenagem à cidade que os acolheu.

Vida em Isolamento

Com uma população de aproximadamente 250 pessoas, Edimburgo dos Sete Mares é uma comunidade unida, onde todos se conhecem e compartilham laços familiares.

A população descende de colonos britânicos, italianos e outros, resultando em apenas sete ou nove sobrenomes predominantes, como Glass, Green, Repetto e Swain. Essa proximidade genética levou a problemas de saúde, como asma e glaucoma, devido à endogamia.

A língua oficial é o inglês, mas o sotaque local carrega influências portuguesas e africanas, um eco da descoberta da ilha pelo navegador português Tristão da Cunha em 1506.

A vila possui infraestrutura básica, mas essencial: uma escola (St. Mary’s School, construída em 1975), um pequeno hospital com um médico e algumas enfermeiras, um posto dos correios, um museu, um café, um bar, uma piscina e duas igrejas (uma anglicana, de 1923, e uma católica, construída em 1995-1996).

Não há restaurantes, hotéis formais ou máquinas de cartão de crédito; as transações são feitas em libras esterlinas, em dinheiro. A única conexão com o mundo externo é via satélite, com acesso limitado à internet, telefone e um canal de TV das Forças Armadas Britânicas (BFBS TV).

A economia é baseada na agricultura (principalmente batatas, cultivadas em uma área chamada “Patches”) e na pesca, especialmente de lagostas, exportadas para o Japão e os Estados Unidos.

A venda de selos postais para colecionadores também é uma fonte significativa de renda, com Tristão da Cunha possuindo códigos postais reservados pela União Postal Universal.

A comunidade é autossuficiente em muitos aspectos, com os moradores compartilhando terras comunais e trabalhando em equipe na pesca e na agricultura.

Desafios do Isolamento

O isolamento de Edimburgo dos Sete Mares impõe desafios únicos. A ausência de um porto de águas profundas limita o acesso a navios maiores, e apenas cerca de 10 viagens anuais, partindo da Cidade do Cabo, transportam passageiros, com no máximo 12 por vez.

Turistas precisam de autorização prévia da comunidade e devem garantir transporte de retorno, já que não há infraestrutura turística formal. Mantimentos chegam por navios de carga, e os moradores fazem pedidos com meses de antecedência, já que atrasos são comuns devido às condições marítimas adversas.

Durante a pandemia de COVID-19, por exemplo, a ilha ficou ainda mais isolada, com navios de suprimentos enfrentando atrasos significativos.

A ameaça do vulcão ativo permanece. Embora a última erupção tenha ocorrido em 1961, os moradores convivem com a possibilidade de novas atividades vulcânicas.

Caminhadas até o topo do Queen Mary’s Peak, onde há um lago em forma de coração na cratera, são populares entre visitantes, mas exigem guias devido aos riscos.

A fauna local, incluindo pinguins rockhopper, albatrozes-errantes e elefantes-marinhos, é um atrativo turístico, especialmente entre maio e outubro, quando baleias também podem ser avistadas.

Cultura e Curiosidades

A vida em Edimburgo dos Sete Mares é marcada por tradições comunitárias. Um exemplo é o “Okalolies”, uma celebração de Ano Novo em que jovens se fantasiam para assustar vizinhos, uma prática com raízes europeias.

A vila também possui um campo de golfe rudimentar e um clube de futebol, o Tristan da Cunha FC, que reflete o espírito comunitário. Apesar do isolamento, os moradores valorizam sua tranquilidade e resiliência, orgulhando-se de viver em um lugar onde não há especulação imobiliária, trânsito ou pressa.

Charles Darwin, que visitou a ilha em 1836, ficou fascinado com sua fauna e flora, e a ilha continua a ser um ponto de interesse para cientistas devido à sua biodiversidade.

Em 2020, o governo local, em parceria com o Reino Unido, criou uma área marinha protegida ao redor do arquipélago, reforçando a importância da preservação ambiental.

Um Lugar Único

Edimburgo dos Sete Mares é mais do que um ponto remoto no mapa; é um testemunho da capacidade humana de se adaptar e prosperar em condições extremas.

Para os moradores, o isolamento é tanto um desafio quanto uma fonte de orgulho. Para os raros visitantes, é uma oportunidade de vivenciar um lugar onde o tempo parece correr mais devagar, e a conexão com a natureza e a comunidade é absoluta.

Como disse Kelly Green, uma moradora local, “Não é fácil chegar aqui, mas nossa vida é boa. A ilha é linda, e todo mundo se ajuda.”

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