Tiradentes- a verdadeira história
É fácil, muito fácil criar um herói, assim como é
simples criar um traidor
O
escritor francês Honoré de Balzac afirmou que existem duas histórias: a
oficial, muitas vezes distorcida ou fabricada, e a verdadeira, que permanece
oculta.
No
Brasil, com o processo de redemocratização iniciado na década de 1980, após o
fim do regime militar, a abertura política e o acesso a arquivos históricos têm
permitido que narrativas antes obscurecidas venham à tona, desafiando versões
aprendidas nas escolas.
Um
exemplo marcante disso é a história de Joaquim José da Silva Xavier, conhecido
como Tiradentes, e seu papel na Inconfidência Mineira. Ao contrário da imagem
popular de Tiradentes como um homem de barba longa e cabelos desgrenhados,
associado a uma figura quase messiânica, semelhante à representação de Jesus
Cristo, registros históricos indicam que ele não usava barba nem bigode.
Essa
imagem romantizada foi consolidada tardiamente, durante o período republicano,
e oficializada pela Lei Federal nº 4.897, de 9 de dezembro de 1965, sancionada
pelo presidente Humberto de Alencar Castelo Branco, durante a ditadura militar.
A lei estabeleceu
Tiradentes como patrono cívico da nação e definiu sua representação com traços
que evocavam um mártir, reforçando uma narrativa heroica que servia aos
interesses políticos da época, especialmente para legitimar a ideia de um
Brasil unificado em torno de um herói nacional.
Pouco
se menciona, especialmente em narrativas oficiais, que Tiradentes era maçom,
assim como muitos outros líderes da Inconfidência Mineira, como Tomás Antônio
Gonzaga, Cláudio Manuel da Costa e Alvarenga Peixoto.
A
maçonaria, com seus ideais de liberdade, igualdade e fraternidade,
influenciados pelo Iluminismo europeu, desempenhou um papel significativo na
articulação de movimentos anticoloniais no Brasil.
A
Inconfidência Mineira, deflagrada em 1789 em Vila Rica (atual Ouro Preto), foi
inspirada por ideias revolucionárias, como as da Independência dos Estados
Unidos (1776) e os ideais que culminariam na Revolução Francesa (1789).
Esses
líderes buscavam não apenas a emancipação do jugo português, mas também a
criação de uma república com instituições democráticas, incluindo propostas
radicais para a época, como a abolição da escravatura, defendida por alguns
inconfidentes.
O
movimento da Inconfidência Mineira tinha como epicentro três capitanias do
Brasil colonial - Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo -, que eram
economicamente estratégicas devido à mineração, ao comércio e à proximidade com
portos.
A
expectativa dos inconfidentes era que essas regiões liderassem a revolta, com a
adesão gradual das demais capitanias. Vila Rica, então a cidade mais rica de
Minas Gerais, era um centro cultural e intelectual vibrante, com uma vida
urbana que rivalizava com cidades europeias.
A
cidade contava com orquestras, teatros, grupos literários e uma elite educada
que consumia obras do Iluminismo, como as de Rousseau e Montesquieu.
Esse
ambiente cosmopolita favoreceu a disseminação de ideias revolucionárias, mas
também expôs as tensões entre a opulência local e a exploração colonial,
especialmente com a imposição de altos tributos, como a derrama, que
desencadeou o descontentamento culminante na conspiração.
A
Inconfidência, no entanto, foi frustrada antes de eclodir, devido à delação de
Joaquim Silvério dos Reis, um dos conspiradores que traiu o movimento em troca
do perdão de suas dívidas com a Coroa.
Tiradentes,
um alferes de baixa patente, dentista (daí seu apelido) e comerciante, foi o
único condenado à morte, executado em 21 de abril de 1792, no Rio de Janeiro.
Sua
execução, marcada pelo esquartejamento público, foi um ato de intimidação da
Coroa portuguesa, mas acabou transformando Tiradentes em um símbolo de
resistência.
Outros
líderes receberam penas de degredo ou prisão, mas a repressão não apagou o
impacto do movimento, que plantou sementes para futuros ideais de independência
no Brasil.
Com a
redemocratização e o avanço da historiografia, a figura de Tiradentes e a
Inconfidência Mineira têm sido reavaliadas. Historiadores como Kenneth Maxwell
e Laura de Mello e Souza destacam que a Inconfidência não foi apenas uma
revolta fiscal contra a derrama, mas um movimento com aspirações republicanas e
sociais, ainda que limitado pela falta de apoio popular e pela divisão entre os
próprios inconfidentes.
A
romantização de Tiradentes como um herói solitário, embora poderosa, muitas
vezes obscurece o caráter coletivo do movimento e as influências intelectuais
que o moldaram.
Hoje, a
história de Tiradentes ressoa como um lembrete da complexidade da formação do
Brasil. A abertura democrática permitiu que novas perspectivas sobre o passado
colonial emergissem, desafiando narrativas simplistas e revelando a riqueza de
acontecimentos que moldaram a identidade nacional.
A
Inconfidência Mineira, com seus ideais de liberdade e justiça, continua a
inspirar reflexões sobre cidadania, resistência e a luta por um país mais
equitativo.
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