Não Tenho Culpa!


 

Eu não fui criado como católico, mas, quando criança, acompanhava meus amigos à missa aos domingos. Para mim, tudo aquilo parecia um espetáculo fascinante, quase mágico, mas também um tanto estranho - um verdadeiro “hocus-pocus”, como se fosse uma encenação cheia de simbolismo que eu não conseguia decifrar completamente.

Na igreja, havia sempre aquela imagem impactante: um homem pregado numa cruz, pendurado no muro, com sangue pingando de suas mãos e pés, o rosto contorcido em sofrimento.

Todos ao meu redor pareciam imersos em um peso coletivo, como se carregassem a culpa por aquele tormento. Eles se batiam no peito, murmuravam orações e confessavam pecados, como se o sofrimento daquele homem fosse, de alguma forma, responsabilidade deles.

Mas eu olhava para aquilo tudo e pensava: “Não, isso não é comigo. Esquece isso.” Eu não aceitava a ideia de carregar um pecado original, algo que eu supostamente herdara sem jamais ter escolhido.

Não havia sangue de nenhum mártir sacro nas minhas mãos, e eu me recusava a me sentir culpado por algo que não fiz. Rejeitei essa narrativa de culpa que parecia impregnar cada canto da igreja, cada hino, cada olhar baixo dos fiéis.

Para mim, era como se me pedissem para assumir a responsabilidade por uma história que não era minha. Essa reflexão, tão bem capturada nas palavras de Billy Joel, reflete não apenas uma experiência pessoal, mas também um questionamento mais amplo sobre a culpa e a religião.

Joel, conhecido por suas letras perspicazes e muitas vezes autobiográficas, expressa em sua música uma rebeldia contra as imposições dogmáticas. Ele cresceu em um ambiente culturalmente diverso em Nova York, com influências judaicas e seculares, mas foi exposto ao catolicismo por meio de amigos e da cultura ao seu redor.

Sua rejeição ao conceito de pecado original, como expresso no trecho citado, ecoa uma postura comum entre aqueles que questionam as estruturas religiosas tradicionais, especialmente no contexto da década de 1970, quando o individualismo e a contestação de instituições ganhavam força nos Estados Unidos.

O catolicismo, com sua ênfase na culpa e na redenção, tem raízes profundas na história ocidental. O conceito de pecado original, derivado das interpretações de Santo Agostinho sobre a queda de Adão e Eva, sugere que todos os seres humanos nascem com uma mancha espiritual que exige expiação.

Esse peso é simbolizado vividamente na imagem de Cristo crucificado, que, para os fiéis, representa o sacrifício supremo para a redenção da humanidade. No entanto, para alguém como Joel, que não foi criado imerso nessa tradição, essa narrativa pode parecer não apenas alheia, mas opressiva.

Sua recusa em aceitar a culpa coletiva reflete um desejo de autonomia moral, uma característica marcante de sua geração, que desafiava normas estabelecidas em busca de autenticidade pessoal.

Além disso, a frase “hocus-pocus” usada por Joel é particularmente reveladora. A expressão, que remete a algo ilusório ou mágico, pode ser interpretada como uma crítica à ritualística da missa, com seus gestos, incensos e palavras em latim que, para um observador externo, poderiam parecer desconexos da realidade cotidiana.

No entanto, também há uma certa admiração implícita na palavra “encantador”. Joel reconhece a beleza estética e emocional dos rituais, mesmo que não compartilhe da fé que os sustenta.

Essa dualidade - fascínio e rejeição - é um tema recorrente em sua obra, que muitas vezes explora tensões entre tradição e modernidade, crença e ceticismo.

Hoje, a perspectiva de Joel continua relevante. Em um mundo onde as instituições religiosas ainda exercem influência, mas enfrentam crescente secularização, muitas pessoas se identificam com essa sensação de estar fora do ciclo de culpa e redenção.

A rejeição do pecado original pode ser vista como uma afirmação de liberdade individual, mas também levanta questões mais profundas: como construímos nossa moral sem as âncoras tradicionais?

Como lidamos com o peso da história, da cultura ou das expectativas coletivas? No fim, as palavras de Billy Joel são mais do que uma crítica à religião; são um grito de independência.

Ele não apenas rejeita a culpa imposta, mas reivindica o direito de escrever sua própria história, sem carregar o sangue de mártires ou o fardo de pecados que nunca cometeu.

E, nesse sentido, sua voz ressoa como um convite para que cada um de nós questione o que aceitamos como verdade - e o que escolhemos deixar para trás.

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