O Horror da Existência
"O
verdadeiro horror da existência não está no medo da morte, mas no temor da
própria vida. É a angústia de despertar diariamente para enfrentar as mesmas
lutas, as mesmas decepções, o mesmo peso de uma dor que se repete, como se o
tempo fosse um espelho quebrado refletindo fragmentos de um eterno retorno.
É o
receio de que nada jamais se transforme, de que a existência seja uma prisão
invisível, um ciclo de sofrimento do qual não há fuga. Nesse medo, pulsa um
desespero silencioso, um anseio por algo - qualquer coisa - capaz de romper a
monotonia, de dar sentido à repetição inexorável dos dias.
Essa
sensação de aprisionamento ecoa através dos séculos, em momentos históricos que
revelam a persistência do absurdo. No século XVII, durante a Pequena Idade do
Gelo, as sociedades europeias enfrentaram colheitas fracassadas, fomes e
epidemias, como a peste bubônica, que dizimaram populações e intensificaram
conflitos políticos, como as guerras civis na Inglaterra e as revoluções na
França.
Esses
eventos, agravados por condições climáticas extremas, pareciam confinar a
humanidade a um ciclo de destruição e reconstrução, onde o sofrimento era uma
constante.
No
entanto, mesmo em meio ao caos, surgiram vozes que buscavam sentido: pensadores
como Hobbes propuseram novos contratos sociais, enquanto comunidades
encontravam formas de resistência e solidariedade.
No
mundo contemporâneo, o conceito de 'policrise' - termo cunhado por Edgar Morin
para descrever crises interconectadas que se amplificam mutuamente - captura
essa mesma repetição do absurdo.
A
pandemia de COVID-19, a guerra na Ucrânia iniciada em 2022, as crises
climáticas com eventos extremos como as enchentes no Brasil e os furacões nos
Estados Unidos, e a polarização política crescente em nações como os EUA e a
Índia ilustram um mundo onde desafios sociais, econômicos e ambientais se
entrelaçam, criando uma sensação de instabilidade permanente.
Nos
EUA, por exemplo, a polarização atingiu níveis críticos, com eventos como o
ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021, evidenciando como divisões
ideológicas podem escalar para violência e minar a coesão social.
Na
Índia, políticas como a revogação do Artigo 370 em Jammu e Caxemira em 2019
aprofundaram tensões entre comunidades religiosas, reforçando um ciclo de
desconfiança e conflito.
Esses
acontecimentos, históricos e atuais, reforçam o que Camus chamava de absurdo: a
ausência de um sentido transcendente diante do sofrimento humano.
A
peste, que Camus descreveu em A Peste como uma metáfora para os flagelos da
existência, não é apenas uma doença, mas qualquer força que suprime o futuro e
paralisa a esperança.
Hoje,
as crises climáticas, com o aumento de 1,1°C na temperatura global desde a era
pré-industrial, trazem enchentes, secas e ondas de calor que ameaçam a
sobrevivência de bilhões, especialmente em regiões vulneráveis.
A
polarização política, intensificada por desinformação e algoritmos de redes
sociais, como observado durante a COP26 em 2021, dificulta a cooperação global
para enfrentar esses desafios.
Ainda
assim, Camus nos lembra que o absurdo não é o fim, mas o começo. Confrontar o
vazio da existência é um ato de revolta, um desafio para criar significado onde
ele não é dado.
Na
história, vemos exemplos disso: durante a Segunda Guerra Mundial, a resistência
francesa, da qual Camus fez parte, transformou o desespero em ação contra a
opressão.
Hoje,
movimentos como os esforços para reduzir emissões de carbono, liderados por
acordos como o de Paris em 2015, ou iniciativas comunitárias para adaptação
climática em regiões rurais, como as descritas por Thomas Dietz em Michigan,
mostram que o enfrentamento do absurdo pode gerar esperança.
A
revolta de Camus não promete salvação, mas oferece a liberdade de encontrar
propósito no ato de resistir, de construir, mesmo sabendo que o ciclo pode
retornar.
Assim,
o medo da vida se transforma, não em resignação, mas em um convite para lutar
contra o absurdo, para tecer sentido no caos de um mundo que, apesar de tudo,
persiste em girar."
- Inspirado em Albert Camus, A Queda
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