Quem matou Lampião?



 

 A Sombra de um Herói Improvável: A Vida de Sebastião Vieira Sandes, o Homem que Matou Lampião

Por décadas, a historiografia brasileira atribuiu a João Bezerra da Silva o feito de ter disparado o tiro que, em 1938, pôs fim à vida de Virgulino Ferreira da Silva, o lendário Lampião, maior símbolo do cangaço no Brasil.

No entanto, pesquisas mais recentes conduzidas pelo renomado historiador Frederico Pernambucano de Mello revelaram que o verdadeiro autor do disparo fatal foi Sebastião Vieira Sandes, conhecido como Santo, um soldado raso do pelotão comandado por Bezerra.

Longe de ser celebrado como herói, Santo viveu o resto de seus dias no anonimato, carregando o peso de sua ação, temendo represálias e sendo tratado, por muitos, como uma figura comparável a Judas Iscariotes, traidor de uma lenda do sertão.

O Contexto do Cangaço e a Emboscada de Angicos

O cangaço, movimento social e armado que marcou o Nordeste brasileiro entre o final do século XIX e meados do século XX, era mais do que banditismo.

Representava, para muitos, uma forma de resistência contra a opressão dos coronéis e a miséria do sertão. Lampião, com sua inteligência estratégica, carisma e crueldade, tornou-se o maior ícone desse movimento, liderando seu bando com punho de ferro e inspirando tanto medo quanto admiração.

Ao lado de sua companheira, Maria Bonita, ele desafiava as autoridades, que por anos tentaram, sem sucesso, capturá-lo. Em 28 de julho de 1938, na fazenda Angicos, em Poço Redondo, Sergipe, o cerco finalmente se fechou.

Após meses de planejamento, a volante (força policial) comandada pelo tenente João Bezerra, com informações precisas sobre o paradeiro do bando, preparou uma emboscada. O pelotão, composto por soldados experientes e conhecedores do terreno, surpreendeu Lampião e seu grupo ao amanhecer.

O tiroteio foi intenso e breve. Lampião, pego desprevenido, foi atingido por um disparo na cabeça, que o matou instantaneamente. Maria Bonita e outros cangaceiros também tombaram no confronto, enquanto alguns conseguiram fugir.

Foi nesse cenário de violência e tensão que Sebastião Vieira Sandes, o soldado Santo, entrou para a história. Segundo as descobertas de Frederico Pernambucano de Mello, foi Santo quem disparou o tiro fatal contra Lampião.

Após a morte do cangaceiro, em um ato que chocou até mesmo os padrões brutais da época, Santo cortou a cabeça de Lampião com um punhal, um gesto que, segundo ele, foi ordenado pelos superiores para comprovar a morte do "Rei do Cangaço".

A cabeça de Lampião, junto com a de Maria Bonita e outros cangaceiros, foi exibida em cidades como troféu, uma prática comum para intimidar possíveis seguidores do cangaço.

Quem Era Sebastião Vieira Sandes?

Diferentemente do que se poderia esperar, Sebastião Vieira Sandes não era um oficial de alta patente ou um estrategista militar. Era um homem simples, um soldado raso nascido no sertão nordestino, região marcada pela seca, pela pobreza e pela violência.

Santo conhecia Lampião e Maria Bonita, talvez por conviver no mesmo ambiente sertanejo, onde as histórias do cangaço eram parte do cotidiano. Essa familiaridade pode ter influenciado sua participação no confronto, mas também trouxe consequências trágicas para sua vida.

Após o episódio de Angicos, Santo não foi celebrado como herói, como ocorreu com João Bezerra, que por anos levou o crédito pela operação. Pelo contrário, sua ação foi vista com desconfiança e desprezo por muitos no sertão, onde Lampião era, para alguns, um símbolo de resistência contra a opressão.

A decapitação do cangaceiro, em particular, foi interpretada como um ato de desrespeito e traição, o que rendeu a Santo a comparação com Judas. Temendo represálias de ex-cangaceiros ou simpatizantes de Lampião, Santo passou a viver no anonimato, mudando-se constantemente e evitando revelar sua identidade.

A Vida no Anonimato e o Peso da História

A vida de Sebastião Vieira Sandes após 1938 foi marcada pela solidão e pelo medo. Relatos indicam que ele viveu em diferentes cidades do Nordeste, sempre com receio de ser reconhecido.

A fama de Lampião, que transcendia o banditismo e alcançava o status de mito, tornou Santo um alvo potencial de vingança. Mesmo entre os que viam o cangaço como uma ameaça, o ato de cortar a cabeça de Lampião era considerado bárbaro, o que dificultava a aceitação de Santo em muitas comunidades.

Além disso, Santo enfrentava suas próprias perturbações internas. A violência do confronto em Angicos e o peso de ter matado um homem tão emblemático quanto Lampião deixaram marcas profundas em sua psique.

Não há registros de que ele tenha recebido qualquer tipo de apoio psicológico ou reconhecimento oficial por seu papel na operação. Pelo contrário, sua história foi praticamente apagada, e ele viveu como um pária, carregando o fardo de um feito que, para muitos, era mais uma maldição do que um mérito.

O Legado de Santo e a Reescrita da História

A redescoberta de Sebastião Vieira Sandes como o verdadeiro autor do disparo que matou Lampião, graças às pesquisas de Frederico Pernambucano de Mello, trouxe à tona uma nova perspectiva sobre os acontecimentos de Angicos.

A revisão histórica não apenas corrige a narrativa oficial, mas também levanta questões sobre como a sociedade brasileira lidou com os personagens envolvidos no cangaço, tanto cangaceiros quanto seus perseguidores.

Enquanto Lampião se tornou uma figura quase mitológica, homens como Santo foram relegados ao esquecimento, pagando um preço alto por sua participação em um dos capítulos mais sangrentos da história do Nordeste.

Hoje, a história de Santo serve como um lembrete da complexidade do cangaço e de seus desdobramentos. Ele não foi apenas o homem que matou Lampião, mas também uma vítima do contexto violento e desigual do sertão brasileiro.

Sua vida, marcada pelo anonimato e pelo medo, reflete as contradições de um período em que heróis e vilões muitas vezes se confundiam.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

A lição de minha mãe

Agam Rinjani um Herói Anônimo

Precisando de amor!

O Enigma de Kaspar Hauser

Stephen Colbert, Reflexões Marcantes

Laika Entregue ao Desconhecido sem Volta

Esporo - De Escravo a Imperatriz de Nero

Felipa de Souza Award, vítima da Inquisição

Erich Hartmann Explicando as Guerras