Não queria ser esse Deus!


Se é certo que um Deus criou este mundo, eu não desejaria ser esse Deus: as dores e misérias do mundo dilacerariam meu coração. E se imaginássemos que foi um demônio quem o criou, teríamos pleno direito de lhe dirigir a mais severa censura, apontando-lhe a sua própria obra e perguntando-lhe: “Como ousaste perturbar o sagrado repouso do nada, apenas para trazer à existência este mundo tão cheio de angústia, miséria e sofrimento?”
- Arthur Schopenhauer

Contexto Filosófico e Histórico

Esta frase sintetiza o núcleo do pensamento de Arthur Schopenhauer (1788-1860), filósofo alemão considerado o grande representante do pessimismo filosófico. Para ele, a vida humana e toda a realidade estão marcadas por dor, carência e insatisfação.

Schopenhauer desenvolve sua filosofia sobretudo na obra O Mundo como Vontade e Representação (1818). Influenciado por Kant, ele sustenta que aquilo que vemos - o mundo fenomenal - é apenas uma representação moldada pelas formas de percepção humana (espaço, tempo e causalidade). Mas, por trás de tudo, existe uma essência metafísica: a Vontade.

A Vontade Cega

A Vontade, para Schopenhauer, não é vontade racional, mas um impulso cego, irracional, incessante. Ela se manifesta em tudo - nas forças da natureza, nos instintos dos animais, nos desejos e ambições humanas.

Esse querer infinito nunca se satisfaz plenamente. Assim, a existência está presa a um ciclo sem fim:

Desejo - frustração ou tédio.

Mesmo quando conseguimos o que queremos, logo surgem novos desejos. Ou então, satisfeitos, caímos no tédio. Por isso, viver é sofrer.

O Problema do Mal

Ao escrever algo tão duro quanto a frase acima, Schopenhauer está criticando o otimismo metafísico, especialmente a visão de filósofos como Leibniz, que defendiam que vivemos “no melhor dos mundos possíveis” criado por Deus. Para Schopenhauer, dizer que este é o melhor mundo possível é um insulto à dor e à miséria reais que permeiam a existência.

A famosa frase ecoa o chamado problema do mal: Se Deus é bom e todo-poderoso, como pode existir tanto sofrimento no mundo? Se há tanto mal, ou Deus não é onipotente, ou não é totalmente bom, ou não existe.

Schopenhauer, embora muitas vezes se refira a Deus, era profundamente crítico das religiões tradicionais e cético quanto à existência de um Deus pessoal e bom.

O Nada como Repouso

O trecho sobre o “sagrado repouso do nada” remete a outra ideia central no pensamento de Schopenhauer: a de que o não-ser poderia ser melhor do que existir. Influenciado pelo budismo e pelo hinduísmo, ele via na negação dos desejos - ascetismo - uma via para escapar da dor da vida. Não por acaso, via no nirvana budista uma forma de cessação do sofrimento.

Influência Cultural

O pessimismo de Schopenhauer influenciou profundamente a cultura europeia do século XIX e início do XX:

Nietzsche, inicialmente admirador de Schopenhauer, depois o crítica, mas herda seu olhar para o sofrimento como parte da condição humana.

Wagner, o compositor, foi muito influenciado pelas ideias de Schopenhauer sobre a música como expressão da Vontade.

Literatura: escritores como Thomas Mann, Machado de Assis, Leopardi e até Dostoiévski dialogam com o pessimismo schopenhaueriano, retratando a miséria, o absurdo e o sofrimento humanos.

Reflexão Contemporânea

Ainda hoje, a questão que Schopenhauer coloca continua viva: vale a pena existir num mundo tão permeado pela dor? Sua filosofia convida a uma reflexão incômoda, mas profunda, sobre o sentido da vida, do sofrimento e do lugar do ser humano no universo.

Em suma, esse fragmento revela não apenas o estilo contundente de Schopenhauer, mas também o âmago de sua visão filosófica: a existência, para ele, é um fardo tão doloroso que o nada poderia ser preferível a ela.

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