Pobreza Vitoriana em Londres


 

A pobreza na Londres vitoriana era tão extrema que serviços improvisados e precários surgiram para atender às necessidades dos mais pobres. Um exemplo disso eram os chamados "caixões de quatro centavos", comuns no final da era vitoriana.

Por essa pequena quantia, os homens recebiam um espaço rudimentar para dormir - muitas vezes uma caixa de madeira simples - e uma lona como cobertor.

Se isso já não fosse suficientemente desconfortável, aqueles que dispunham de apenas dois centavos enfrentavam uma situação ainda pior: podiam se sentar em um banco, com uma corda esticada à sua frente para evitar que caíssem caso adormecessem.

Esse arranjo era conhecido como "ressaca de dois centavos" (em inglês, two-penny hangover), uma prática que reflete a crueza da vida nas camadas mais baixas da sociedade da época.

A palavra "ressaca" (hangover), hoje amplamente associada aos efeitos do consumo excessivo de álcool, tem uma história curiosa. Ela entrou no vocabulário inglês no século XIX, inicialmente com um significado diferente: referia-se a "negócios inacabados" ou questões pendentes de reuniões ou eventos.

Foi apenas em 1904 que o termo começou a ser usado em relação ao álcool, descrevendo as consequências desagradáveis de uma noite de bebedeira. Apesar da coincidência temporal e do nome sugestivo, a afirmação de que "ressaca" deriva diretamente da prática de dormir sobre uma corda é um mito.

Estudos etimológicos mostram que o sentido alcoólico do termo é, na verdade, uma evolução natural de seu significado anterior, ligado a algo que "permanece" ou "sobrevive" após um evento.

Curiosamente, a expressão "he could sleep on a clothesline" ("ele poderia dormir em um varal"), usada em inglês para descrever alguém capaz de dormir em qualquer condição, pode ter alguma conexão cultural com essas práticas extremas de sobrevivência.

Embora não haja evidências diretas de que ela tenha surgido dos bancos com cordas da era vitoriana, a imagem de dormir em um espaço tão instável e improvisado ecoa o desespero dos pobres da Londres do século XIX.

Outra possibilidade é que a expressão seja apenas uma hipérbole popular, refletindo a resiliência humana diante das adversidades. Vale notar que, apesar de relatos históricos confirmarem a existência dos "caixões de quatro centavos" e da "ressaca de dois centavos" em albergues improvisados, como os administrados pelo Exército da Salvação, imagens autênticas dessas práticas são raras.

A foto mencionada, que não mostra bancos ou cordas, pode ser uma representação idealizada ou uma confusão com outras formas de abrigo precário da época. Isso levanta questões sobre como a memória coletiva da pobreza vitoriana foi moldada tanto por fatos quanto por lendas urbanas.

Para além disso, a era vitoriana também foi marcada por contrastes brutais: enquanto a Revolução Industrial trazia riqueza e progresso para alguns, milhões viviam em condições subumanas.

Os "caixões de quatro centavos" e a "ressaca de dois centavos" são apenas um vislumbre da inventividade cruel que emergia da necessidade, mas também da indiferença social que permitia tais práticas.

Esse período, portanto, não é apenas uma janela para a história da linguagem, mas também um lembrete das desigualdades que moldaram a Londres moderna.

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