Escravos Modernos


 

“Meu otimismo está baseado na certeza de que está civilização vai desmoronar. Meu pessimismo, em tudo aquilo que ela faz para arrastar-nos em sua queda!”

Essas palavras, carregadas de paradoxo, revelam uma visão ao mesmo tempo esperançosa e desencantada. Há uma fé quase libertadora na finitude de um sistema que se sustenta sobre pilares frágeis – consumo desenfreado, desigualdade abissal e alienação coletiva.

Mas também há um lamento amargo por uma humanidade que, em vez de resistir, parece abraçar a corrente que a prende, como se o colapso iminente fosse ao mesmo tempo inevitável e tragicamente auto infligido.

A servidão moderna é uma escravidão voluntária, consentida por essa multidão de escravos que se arrastam pela face da Terra. Diferente das algemas de ferro do passado, as correntes de hoje são invisíveis, tecidas com promessas de conforto e status.

Eles mesmos compram as mercadorias que os escravizam cada vez mais - smartphones que os vigiam, dívidas que os sufocam, modas que os padronizam. Cada aquisição é um tijolo a mais na prisão que constroem para si próprios, uma ilusão de liberdade vendida a preço de mercado.

Eles correm atrás de um trabalho cada vez mais alienante, que lhes é dado generosamente se estão suficientemente domados – empregos que esvaziam a alma, rotinas que apagam a criatividade, chefes que exigem subserviência em troca de um salário que mal paga as contas.

E, num ato final de submissão, eles mesmos escolhem os amos a quem deverão servir, votando em líderes que perpetuam o ciclo ou se curvando a corporações que ditam as regras do jogo.

O que torna essa servidão ainda mais perversa é sua aparência de escolha. Não há chicotes nem grilhões visíveis, apenas a pressão sutil de uma sociedade que glorifica o trabalho exaustivo como virtude e o consumo como felicidade. A multidão não percebe – ou prefere não perceber – que, ao correr na roda interminável do "progresso", está cavando o próprio abismo.

E quando a civilização finalmente ruir, como o otimista prevê, talvez o pessimismo esteja certo: levaremos conosco não só as ruínas materiais, mas também os escombros de nossa dignidade perdida.

A questão que resta é se, entre os destroços, conseguiremos encontrar os fragmentos de uma humanidade que um dia sonhou ser livre – ou se, mesmo então, insistiremos em forjar novas correntes com as sobras do que fomos.

Talvez reste alguma esperança, se ao menos alguns despertarem do torpor e ousarem reimaginar um mundo além das grades invisíveis. A verdadeira liberdade não se compra nem se negocia; ela se conquista no ato de recusar as algemas e reescrever as próprias regras. O tempo dirá se somos capazes dessa revolução.

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