O Nome da Rosa – O riso mata o medo.


 

Um incrível trecho do livro "O Nome da Rosa", de Umberto Eco: Quando o abade cego pergunta ao investigador William de Baskerville: ′′Que almejam verdadeiramente?"

Baskerville responde: ′′Eu quero o livro grego, aquele que, segundo vocês, nunca foi escrito. Um livro que só trata de comédia, que odeiam tanto quanto risos.

Provavelmente é o único exemplar conservado de um livro de poesia de Aristóteles. Existem muitos livros que tratam de comédia. Por que esse livro é precisamente tão perigoso?"

O abade responde: ′′Porque é de Aristóteles e vai fazer rir".

Baskerville replica: ′′O que há de perturbador no fato de os homens poderem rir?"
O abade: ′′O riso mata o medo, e sem medo não pode haver fé. Aquele que não teme o demônio não precisa mais de Deus". 

***

"O riso mata o medo, e sem medo não pode haver fé. Aquele que não teme o demônio não precisa mais de Deus". Essa frase carrega uma profundidade filosófica e psicológica que pode ser desdobrada em várias camadas.

Primeiro, considere a ideia de que "o riso mata o medo". O riso, em sua essência, é uma expressão de leveza, muitas vezes associada à desconstrução de tensões.

Quando rimos de algo, frequentemente o despojamos de seu poder ameaçador. Pense em como o humor é usado para enfrentar situações difíceis: ao rir de um problema, ele perde parte de sua gravidade, e o medo, que depende dessa gravidade, se dissipa.

É como se o riso fosse uma arma sutil contra a seriedade opressiva que o medo exige para prosperar. Agora, a segunda parte: "sem medo não pode haver fé".

Aqui, a frase sugere uma relação íntima entre medo e fé, quase como se um dependesse do outro. A fé, especialmente no contexto religioso, muitas vezes surge como um refúgio em meio à incerteza ou ao temor.

Se o medo desaparece - se não há nada a temer -, o que resta para sustentar a necessidade de fé? Ela implica que a fé não é apenas confiança, mas também uma resposta a uma vulnerabilidade humana.

Sem o peso do desconhecido ou do perigo, a fé poderia perder seu propósito emocional ou existencial. Por fim, "aquele que não teme o demônio não precisa mais de Deus" leva essa lógica ao extremo.

O demônio, aqui, pode ser entendido como uma personificação do mal, do caos ou do medo último. Se alguém deixa de temer essa força - seja por coragem, descrença ou transcendência -, a necessidade de um contraponto divino, como Deus, também se dissolve.

É uma visão que desafia a dualidade tradicional entre bem e mal, sugerindo que ambos, Deus e o demônio, existem em função do medo que sentimos. Sem esse medo, o equilíbrio entre eles desmorona, e a dependência de uma força superior se torna irrelevante.

Essa frase, então, parece apontar para uma liberdade radical: ao rir do medo, o indivíduo se liberta não só das amarras do terror, mas também das estruturas que esse terror sustenta, como a fé e a necessidade de salvação.

É quase uma provocação existencial - será que a ausência de medo nos tornaria autossuficientes, ou apenas nos deixaria à deriva, sem os pilares que dão sentido à vida?

Cabe a cada um refletir sobre o que resta quando o riso silencia tanto o demônio quanto o divino.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Pássaros em Gaiolas: A Metáfora da Conformidade no Brasil

A Passividade de uma Nação

O Mistério do Desaparecimento do USS Cyclops

Se quer saber o caráter de um homem, dê-lhe poder: o caso de Lula

Caminhos Inesperados

O Desconforto de Pensar

O Conhecimento do Homem

O Peso da Terra

A sexta extinção em massa

A história de Argos – O Cão Fiel de Ulisses