Sem saída



- Foi o que sempre pensei sobre aquela história do Jardim do Éden - disse Ford, recostando-se na cadeira com um sorriso malicioso, como se estivesse prestes a revelar o segredo do universo.

- O que? – perguntou Arthur, franzindo a testa, já antecipando que a conversa tomaria um rumo absurdamente inesperado.

- O Jardim do Éden. A árvore. A maçã. Essa parte, lembra?

- Lembro, claro que lembro - respondeu Arthur, com um tom que misturava impaciência e curiosidade.

-Então, o tal do Deus põe uma macieira bem no meio de um jardim perfeito, um verdadeiro paraíso, e diz: “Vocês dois, Adão e Eva, podem fazer o que quiserem aqui.

Corram pelados, brinquem com os macacos, nadem com os peixes, qualquer que seja. Só não comam dessa maçã.” - Ford fez uma pausa dramática, erguendo uma sobrancelha.

- Aí, claro, o que acontece? Eles comem a maçã. E de repente, lá vem Deus, saltitando de trás de uma moita, apontando o dedo e gritando: “Peguei vocês! Peguei vocês! Sabia que iam desobedecer!”

Arthur riu, mas parecia confuso.

- Não faria a menor diferença se eles não tivessem comido a maçã - continuou Ford, agora com um tom de quem explica o óbvio.

- Por que não? – perguntou Arthur, genuinamente intrigado.

- Porque, meu caro, quando você está lidando com alguém com essa mentalidade - mais ou menos a mesma de um sujeito que deixa um chapéu na calçada com um tijolo embaixo só pra ver alguém chutar e quebrar o pé -, pode ter certeza de que ele não vai desistir.

Se Adão e Eva não tivessem comido a maçã, Deus teria inventado outra coisa. Tipo, “Não pulem naquele lago específico” ou “Não acariciem aquele tigre de dentes estranhamente afiados”. E, quando eles inevitavelmente pulassem no lago ou fizessem carinho no tigre, lá estaria Ele, de novo, saindo de trás da moita com o mesmo discurso: “Peguei vocês!”

Ford tomou um gole de sua bebida, que, pelo cheiro, provavelmente não era de origem terrestre.

- A questão é: o jogo estava montado desde o início. Não era sobre a maçã. Era sobre controle, sobre testar os limites da curiosidade humana. Pensa bem: você cria um casal, dá a eles um cérebro cheio de perguntas, um jardim cheio de possibilidades e uma árvore com uma fruta brilhante, suculenta, que praticamente grita “Me coma!”. E depois diz pra não comer?

Isso não é um teste, é uma armadilha. É como pendurar um botão vermelho brilhante na parede com um aviso de “Não aperte” e esperar que ninguém aperte. Spoiler: alguém sempre aperta.

Arthur coçou o queixo, tentando acompanhar o raciocínio.

- Então você está dizendo que Deus queria que eles comessem a maçã?

- Não exatamente – retrucou Ford, balançando a cabeça. - Estou dizendo que Ele sabia que eles iam comer. E, se não fosse a maçã, seria outra coisa. A expulsão do paraíso não foi castigo por desobediência; foi o grande final do roteiro.

O Jardim do Éden era só o primeiro ato de uma comédia cósmica, e Adão e Eva eram os atores que não tinham escolha a não ser seguir o enredo. O verdadeiro truque foi fazê-los acreditarem que tinham liberdade pra escolher.

Arthur ficou em silêncio por um momento, encarando o vazio.

- Isso é meio… perturbador, não é?

- Perturbador? - Ford deu uma risada alta, quase derrubando a bebida.

- É genial! Pense nisso como o maior experimento social da história. Ou como um reality show divino. O Criador senta na poltrona, come pipoca celestial e assiste enquanto os humanos tropeçam nas próprias pernas tentando entender o que é “certo” e “errado”. E, no final, Ele ainda ganha o crédito por ter inventado a moralidade. Brilhante!

- Mas e a serpente? – perguntou Arthur, lembrando-se de outro detalhe da história. - Não foi ela que convenceu Eva a comer a maçã?

- A serpente! - exclamou Ford, apontando um dedo para Arthur como se ele tivesse descoberto a chave de tudo.

- A serpente é o toque de gênio. É o elemento caótico, o agente provocador. Mas, sério, você acha que uma cobra falante apareceu do nada sem que o Grande Chefe soubesse? Ela era parte do plano. Provavelmente estava na folha de pagamento divina, recebendo ordens diretas: “Vai lá, sussurra umas ideias, agita o cenário.” E assim a maçã foi comida, o paraíso foi perdido, e a humanidade ganhou um bilhete só de ida pra um universo cheio de percalços, dores de cabeça e formulários de imposto de renda.

Ford se inclinou para frente, agora com um brilho quase maníaco nos olhos. - E sabe o que é mais engraçado? Essa história não acabou. A cada esquina da história humana, tem uma nova “maçã” esperando pra ser mordida. Uma nova regra pra ser quebrada. E toda vez que alguém morde, lá vem o destino, ou Deus, ou o universo, saindo de trás da moita e gritando: “Peguei vocês!”

Arthur balançou a cabeça, sorrindo apesar de si mesmo.

- Você realmente tem uma visão… peculiar das coisas, Ford.

- Peculiar? – Ford deu de ombros, recostando-se novamente.

- Eu só vejo o que está na cara. A vida é uma grande piada cósmica, e o segredo é rir antes que ela ria de você.

Assim pensava Douglas Adams em relação ao paraíso de Adão e Eva.

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