"A virtude está no meio."


 

Ou, mais precisamente: "A virtude é uma disposição habitual e voluntária, adquirida por meio da prática, que consiste em encontrar o ponto médio entre dois extremos indesejáveis, um por excesso e outro por deficiência."
- Aristóteles

Essa máxima, retirada da Ética a Nicômaco, sintetiza um dos fundamentos mais duradouros da filosofia moral de Aristóteles: a doutrina do justo meio. Para o filósofo grego, a virtude não é um dom natural nem um privilégio de poucos, mas uma conquista prática e contínua. Surge da repetição deliberada de boas ações, que, pouco a pouco, moldam o caráter e conduzem à excelência moral.

O “meio” ao qual Aristóteles se refere não deve ser entendido como uma simples média matemática ou como neutralidade, mas como um equilíbrio vivo e dinâmico, que considera as circunstâncias, o contexto e a singularidade de cada pessoa.

Assim, a coragem se situa entre a temeridade (excesso) e a covardia (deficiência), enquanto a generosidade ocupa o espaço intermediário entre a prodigalidade e a avareza. O justo meio, portanto, exige discernimento: o mesmo ato pode ser virtuoso em uma situação e imprudente em outra.

Essa concepção nasce em um período crucial da Grécia Antiga, o século IV a.C., marcado por grandes transformações. As cidades-estados estavam em declínio, e o poder político migrava para a Macedônia sob Alexandre, o Grande, discípulo de Aristóteles.

Em meio a esse cenário de instabilidade, guerras e mudanças de valores, o filósofo propunha um caminho ético que não dependia de governos ou de riquezas, mas da capacidade individual de cultivar a moderação e a razão.

Para Aristóteles, a virtude era inseparável da busca pela Eudaimonia - a verdadeira felicidade ou “florescimento humano”. Eudaimonia não é prazer imediato nem simples satisfação dos desejos, mas a realização plena do potencial humano por meio de uma vida equilibrada, guiada pela razão e pela prática do bem.

Assim, viver de forma virtuosa significava viver em harmonia consigo, com os outros e com a pólis. A doutrina do justo meio atravessou séculos e continua ressoando de maneira atual. Num mundo contemporâneo marcado por polarizações - políticas, sociais e até pessoais -, a mensagem aristotélica se mostra ainda mais necessária.

O convite à moderação pode ser visto: Na sustentabilidade, como equilíbrio entre o consumo excessivo e a privação irrealista, buscando um estilo de vida que respeite o planeta sem sufocar o desenvolvimento humano.

Na tecnologia, como no caso da inteligência artificial, onde a virtude está em evitar tanto a adoção cega e desenfreada quanto a rejeição paralisante, buscando um uso responsável e consciente.

Na vida emocional, lembrando que a regulação saudável dos sentimentos evita tanto a repressão quanto a explosão desmedida.

Na política, onde o justo meio sugere a busca de consensos que não se deixem capturar pelos extremismos ideológicos.

Curiosamente, essa ideia aristotélica encontra ecos em tradições de outras culturas. O confucionismo, por exemplo, também valorizava a “justa medida” como caminho para a harmonia social. E o pensamento romano, posteriormente, herdou essa noção ao consolidar o ideal do equilíbrio entre virtudes cívicas.

Assim, o ensinamento de Aristóteles vai além de uma teoria filosófica: é um guia prático, atemporal e profundamente humano. Num mundo de excessos e carências, ele nos lembra que a verdadeira força não está em escolher os extremos, mas em cultivar a sabedoria de encontrar o ponto justo - aquele que conduz, de fato, à liberdade interior e à felicidade duradoura.

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