A Rebelião de Túpac Amaru II


 

A Rebelião de Túpac Amaru II: Um Capítulo de Resistência Indígena no Peru Colonial.

Em 18 de maio de 1781, na praça principal da cidade de Cusco, no coração do antigo Império Inca, as autoridades coloniais espanholas executaram de forma brutal José Gabriel Condorcanqui Noguera, mais conhecido como Túpac Amaru II.

Ele tinha cerca de 39 anos - embora algumas fontes estimem seu nascimento por volta de 1742, o que o faria ter 39 anos na época da morte, e não 43 como por vezes relatado.

Descendente direto dos soberanos incas, Condorcanqui adotou o nome Túpac Amaru II em homenagem ao último imperador inca, executado pelos espanhóis em 1572, simbolizando uma reivindicação de herança ancestral.

Em quechua, o idioma dos incas, "Túpac Amaru" significa "Serpente Real" ou "Cobra Brilhante", evocando a imagem de um líder mítico e poderoso, associado à terra e à resistência.

A rebelião liderada por Túpac Amaru II representa o maior levante indígena contra o domínio espanhol nas Américas desde a conquista do século XVI, mobilizando entre 40 mil e 100 mil seguidores ao longo de sua extensão.

Ela irrompeu em um contexto de profundas injustiças coloniais: as chamadas Reformas Borbônicas, implementadas pelo rei Carlos III, intensificaram a exploração econômica, com aumentos de tributos como a "mita" (trabalho forçado nas minas de Potosí) e o "reparto" (distribuição forçada de mercadorias a preços inflacionados).

Esses abusos afetavam não só os indígenas, mas também mestiços, escravos africanos e até setores pobres da elite criolla (descendentes de espanhóis nascidos na América).

Túpac Amaru, um cacique (líder indígena) educado pelos jesuítas na Universidade de San Marcos, em Lima, e fluente em espanhol e quechua, viajou a Madrid em 1776 para apelar diretamente à Coroa contra esses excessos, mas suas queixas foram ignoradas, o que o radicalizou.

O estopim da rebelião ocorreu em 4 de novembro de 1780, quando Túpac Amaru e seus seguidores capturaram e executaram publicamente o corregedor (administrador colonial) Antônio de Arriaga, em Tungasuca, após um banquete.

Arriaga era notório por sua crueldade, extorquindo dívidas e tributos dos indígenas. Esse ato simbólico - à forca erguida em uma praça lotada - proclamou o fim da opressão e atraiu milhares de adesões.

Túpac Amaru se autoproclamou "Sapa Inca" (único imperador) de um novo Império Inca restaurado, prometendo a abolição da escravidão e dos tributos, a liberdade para todas as colônias e a restauração de práticas indígenas antigas.

Sua esposa, Micaela Bastidas - uma líder estratégica e corajosa, descendente de incas e espanhóis -, desempenhou papel crucial na organização das tropas, na logística de suprimentos e até em negociações diplomáticas.

Juntos, eles formaram um exército heterogêneo de indígenas aimarás e quechuas, mestiços, escravos libertos e alguns criollos descontentes. Nos meses iniciais, a rebelião obteve vitórias impressionantes.

Em dezembro de 1780, os rebeldes sitiaram a cidade de Cusco, a antiga capital inca, mas falharam em conquistá-la após um cerco de 59 dias, forçados a recuar devido à fome e à resistência espanhola reforçada.

Em 18 de novembro, na Batalha de Sangarará, as forças de Túpac Amaru aniquilaram um exército real de 800 homens, consolidando o controle sobre vastas regiões do sul do Peru, incluindo territórios que hoje pertencem à Bolívia e Argentina.

Os rebeldes atacaram haciendas (fazendas coloniais), destruíram obrajes (fábricas têxteis forçadas) e executaram corregedores corruptos, espalhando pânico entre as elites espanholas.

A insurreição se ramificou: no Alto Peru (atual Bolívia), o líder aimará Túpac Katari (ou Catari) iniciou um levante paralelo, sitiando La Paz por 184 dias em 1781, enquanto revoltas inspiradas eclodiram no Chile e na Colômbia.

Entretanto, a coalizão rebelde era frágil. Inicialmente apoiada por alguns criollos, que temiam as reformas fiscais, a rebelião perdeu esse respaldo quando se tornou uma guerra étnica violenta, com massacres de espanhóis e peninsulares.

A Igreja Católica excomungou os líderes, e as tropas reais, sob o comando de generais como José Antônio de Areche, receberam reforços de Lima e Buenos Aires.

Em março de 1781, após uma série de derrotas em combates como o de Checacupe e a traição de aliados indígenas cooptados pelos espanhóis, Túpac Amaru e Micaela foram capturados em sua fortaleza em Langui.

Levados acorrentados a Cusco, foram torturados por 35 dias: Túpac Amaru resistiu heroicamente, recusando-se a delatar companheiros, mesmo sob flagelação e esticamento de membros.

Em 14 de maio de 1781, um tribunal colonial o condenou à morte por traição. Como punição exemplar, Túpac Amaru foi forçado a assistir à execução de sua família: primeiro, seu filho menor Hipólito foi estrangulado; em seguida, outros parentes tiveram a carne dilacerada por gatos selvagens; e, por fim, Micaela Bastidas foi decapitada na sua frente, morrendo com dignidade.

Apenas então, Túpac Amaru foi arrastado pelas ruas de Cusco por uma tropa de cavalos, teve a língua cortada para silenciar sua voz profética, e seu corpo foi esquartejado e exibido em postes como aviso.

Sua cabeça foi enviada para exposição em Tungasuca, e os restos foram queimados para evitar que se tornassem relíquias de martírio. A execução de Túpac Amaru não extinguiu a rebelião.

Movimentos paralelos, como o de Túpac Katari, prosseguiram até 1783, resultando em dezenas de milhares de mortes - estimativas variam de 100 mil a 200 mil vítimas, a maioria indígenas massacrados na repressão.

As autoridades espanholas responderam com reformas moderadas, abolindo o repartimiento em 1781, mas também com uma caça implacável a símbolos incas, proibindo o quechua em documentos oficiais e destruindo artefatos pré-colombianos.

Apesar do fracasso, a rebelião de Túpac Amaru II plantou sementes de resistência: foi vista como um "ensaio" para as guerras de independência hispano-americanas (1810-1825), inspirando líderes como Simón Bolívar, e tornou-se um ícone para movimentos indígenas modernos, como o MRTA (Movimento Revolucionário Túpac Amaru) no Peru dos anos 1980-1990.

Hoje, Túpac Amaru II simboliza a luta pela soberania indígena, lembrando que a colonização não apagou a memória de um império que outrora dominou os Andes.

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